terça-feira, 3 de julho de 2012

Primeira viagem

Foi a primeira viagem e tenho pena de não me recordar dela, pois ainda não possuía capacidades cognitivas que mo permitissem. Contudo, abstraindo-me de lamentações, imagino como tenha sido.
            
Nunca no mesmo trajecto a viagem terá sido tão demorada, tal era a cautela do condutor em não causar bruscas movimentações ou que até o facto da velocidade do automóvel pudesse despoletar um choro no passageiro recém-nascido. Imagino que na minha primeira viagem de carro, tenha sido constantemente alvo de um par de olhos maternal e ainda, por várias vezes a mira em mim duplicava devido à atenção paternal que vinha do volante. 

Para mim tudo era novo, não sei até se, de facto, me importei com o primeiro contacto com a velocidade, ou com o facto das árvores se moverem lá fora. Sei hoje que não sabia o que eram árvores nem o que realmente se movia, desprezando mesmo que desconhecia o que era o movimento. 
Do hospital até casa, desconheço os sons que tenha ouvido e até mesmo se o rádio iria ligado a soar alguma música de umas das bandas que posteriormente se tornaram as minhas favoritas. Assumo apenas como certos o som das vozes dos meus pais que certamente iriam a falar de mim ou até para mim, embora eu não os conseguisse entender.

Quando o carro por final parou, teria chegado a casa e visto pela primeira vez o local que me iria ver crescer. Não pensando certamente nisso, e desconhecendo até o que era um local, devo ter ficado certamente confortável no berço que me acolheu.

O cenário que imagino mais provável é este descrito, embora possa também ter ido toda a viagem a dormir e a sonhar, se é que tenha conseguido adquirir elementos suficientes para formar um sonho em apenas dois dias de vida.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Fragmento

Verdade limpa e clara como água,
Acontece que não mostra de todo a minha mágoa
Por simples razões que habitam a memória
Acredito que nada fará mudar a história.

Revela-se na vida uma impotável palavra
confesso: nada disto eu tencionava
a pista que me segue eu tento despistar
e chegando ao refugio eu tento acalmar.

Recai sobre mim uma esperança imensa e vasta
Tento não ser o depósito de tudo isso que me alastra
porque de mim nada espero e obrigo
O peso é enorme, aguentá-lo já não consigo.

sábado, 28 de abril de 2012

Local simbólico

"O criminoso volta sempre ao local do crime"

Mesmo que não seja por alma do destino, por lá passo todos os dias em que cumpro mais um dia de escola. Aquele local poderia ter ficado na memória de todos os que me tivessem até à data conhecido, poderia fazer com que eu não existisse na memória de todos os que depois da data me conheceram.

Foi com 4 anos, recordo esse segmento no meu dentro como se de um ficheiro protegido se tratasse ao qual a sua eliminação estivesse interdita.

Trata-se de uma rua estreita de piso empedrado e de alguma inclinação na qual passavam dois carros com bastante aperto, num dos lados existia o portão de entrada de uma casa, inserido num enorme muro de pedra, do outro lado um armazém. Eram ambos pertencentes ao mesmo dono, o mesmo que iríamos visitar. De outras tantas vezes que lá fora com o meu pai, sempre entravamos no portão, mas naquele dia o senhor de alguma idade, ao qual eu perdi o rasto, estava no armazém. Era o dado que eu desconhecia e numa tentativa de demonstrar que já possuía alguma capacidade de auto-suficiência pensei, desde logo, em atravessar a estrada e tocar à campainha do portão primeiro que o meu pai.

Do pensamento resultou um acto imediato, não podia deixar escapar aquela oportunidade, comecei a atravessar a estrada...

"Obrigado..." Foi tudo o que o meu pai pudera dizer naquele momento ao homem que descia a estrada numa carrinha e que se desviara da criança, que não tinha verificado se passavam carros antes de atravessar a estrada, e foi colidir com o muro que cercava a casa.

Hoje, digo eu o mesmo obrigado quando lá passo, estranho pensar que poderia nunca mais lá passar de novo.